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Europa tem nova arma no combate ao terrorismo: detetives cegos

por Lerparaver

Onde está o limite??

Dan Bilefsky
Em Antuérpia, Bélgica

Sacha Van Loo, 36, não é um policial comum. Ele carrega uma bengala branca, em vez de uma arma. E, pelo barulho de um motor em uma gravação, pode discernir se um suspeito está dirigindo um Peugeot, um Honda ou uma Mercedes.

Van Loo é uma das novas armas da Europa na luta global contra o terrorismo e o crime organizado: um Sherlock Holmes cego, cuja deficiência o permite encontrar pistas que os outros detetives não vêem.

"Ser cego me forçou a desenvolver os outros sentidos, e minha força como detetive está em meus ouvidos", diz ele de seu escritório na Polícia Federal Belga, onde um pedaço de papel cravado de marcas de uma sessão de tiro ao alvo recente era orgulhosamente apresentado na parede. "Ser cego também requer reconhecer seus limites", acrescentou com um sorriso, observando que o treinador com visão guiou suas mãos durante a prática de tiro "para garantir que ninguém se ferisse".

Van Loo, homem magro que nasceu cego, é um dos seis policiais cegos na unidade pioneira especializada na transcrição e análise de gravações de grampos em investigações criminais. Lingüista que aprendeu servo-croata por diversão, ele lamenta não ter o direito de carregar uma arma no serviço nem de fazer prisões. Mas seu sentido de audição é tão agudo que Paul Van Thielen, diretor da Polícia Federal Belga, compara seus poderes de observação aos de um "super-herói".

Quando a polícia escuta um suspeito de terrorismo fazendo uma ligação, Van Loo pode ouvir os tons discados e imediatamente identificar o número. Ao ouvir o eco da voz nas paredes, ele deduz se o suspeito está falando de uma sala de aeroporto ou de um restaurante lotado. Recentemente, a polícia belga passou horas lutando para identificar um contrabandista de drogas em uma gravação fraca, concluindo que era marroquino. Van Loo, que tem uma "biblioteca de sotaques na cabeça", ouviu e deduziu que era albanês, fato confirmado após sua prisão.

"Tive que treinar meu ouvido para saber onde estava. É uma questão de sobrevivência para atravessar a rua ou entrar em um trem", disse ele. "Algumas pessoas podem se perder no barulho de fundo, mas como sou cego, divido a audição em diferentes canais. São esses detalhes que podem ser a diferença entre resolver ou não um crime."

Sua deficiência, diz ele, também lhe deu a força emocional para lidar com o estresse do trabalho. "Ouvi criminosos planejando assassinato, traficantes fazendo planos de entregar drogas, homens brigando. Ser cego me ajuda a não me deixar afetar porque tenho que ser duro."

A unidade cega de polícia, que entrou em operação em junho, originou-se após Thielen ouvir falar de um policial cego na Holanda. Ele estava procurando formas de melhorar a integração com a comunidade e fez a conexão de que os cegos podem se provar mais adeptos a ouvir e interpretar grampos do que quem vê. A idéia, diz ele, ganhou força após o governo belga aprovar uma lei há alguns anos dando à polícia maiores poderes de usar grampos na investigação de 37 áreas de crime, incluindo terrorismo, homicídio, crime organizado e seqüestro de menores.

A polícia também reconheceu que policiais cegos como Van Loo poderiam ser particularmente valiosos em investigações de combate ao terrorismo, porque as gravações de grampos -de ligações telefônicas ou de microfones colocados nas casas de terroristas- muitas vezes são abafadas por fortes barulhos de fundo, requerendo um ouvido altamente treinado para discernir as vozes. Alain Grignard, autoridade no combate ao terrorismo da Polícia Federal de Bruxelas, observa que os grampos foram cruciais nas recentes prisões de uma grande célula terrorista na Bélgica que recrutava para a insurgência no Iraque.

Além de seus ouvidos altamente desenvolvidos, Van Loo também é tradutor treinado que fala sete línguas, inclusive russo e árabe -um talento que o torna indispensável, segundo Grignard. Seu conhecimento de sotaques pode ajudá-lo a diferenciar entre, digamos, um egípcio ou um marroquino. "Você precisa de todos os recursos em uma investigação de terrorismo, e um policial cego poliglota pode ser uma arma poderosa".

A polícia belga ficou impressionada com o número de cegos que se inscreveram para as vagas. Altas notas nos testes de audição eram pré-requisito para o cargo, como ter no mínimo 33% de cegueira. Van Thielen, o chefe de polícia, disse que foi forçado a rejeitar dezenas de inscrições cuja visão era boa demais, inclusive um "cego" que chocou os recrutadores da polícia quando chegou à entrevista de carro.

Van Thielen também se lembra que o recrutamento de cegos teve outros desafios. Como eles seriam usados quase exclusivamente para investigações de grampos, e a força não queria expô-los a situações de perigo, receberam um status especial sob a lei de 2006 para trabalhadores forenses que dá aos civis alguns poderes de polícia, mas os proíbe de fazer prisões ou carregar armas.

Van Thielen também enfrentou resistência de outros veteranos da força, que achavam que ter colegas cegos seria um fardo. Outros não sabiam como se comportar na frente de cegos e se perguntavam se dizer "au revoir", ou literalmente, "até nos revermos", causaria ofensa. Para acalmá-lo de suas preocupações, Van Thielen criou sessões de treinamento especiais com voluntários cegos. Uma dica: não deixe os cabos de computador pelo chão porque os oficiais cegos podem tropeçar.

"No princípio, quando os membros da polícia ouviram que cegos iam trabalhar ali, riram e me disseram que éramos uma força policial, e não uma obra de caridade", disse Van Thielen. "Mas a postura mudou quando os policiais cegos chegaram e mostraram sua determinação de trabalhar duro e de serem úteis".

Não foram só as atitudes que precisaram de atualização. Além de instalar elevadores ativados por voz na delegacia, os oficiais cegos receberam computadores especial de $ 10.000 euros, equipados com teclado em Braille e um sistema de voz que transmite imagens visuais em som.

Quando Van Loo transcreve uma gravação, usa fones de ouvido e passa o dedo indicador em uma longa faixa de caracteres em Braille na base do teclado, cujos caracteres se alteram para replicar o que está na tela, desligada. Quando ele sai, carrega um aparelho de GPS da polícia, com voz que o dirige ao destino, rua por rua.

Com dois filhos, Van Loo atribui seu sucesso aos seus pais, que o ensinaram logo cedo a ser independente. Ele se lembra que, quando era criança, seu pai, cinéfilo, levava-o para assistir filmes. Seu pai também o ensinou a dirigir um carro colocando-o no colo e guiando suas mãos no volante. Sua habilidade de se adaptar, diz ele, foi reforçada por freqüentar uma escola comum. Ele também freqüentou uma escola para cegos, onde aprendeu a manobrar a bengala e a ler russo em Braille. Para relaxar, ele esquia, anda a cavalo e toca flauta árabe.

"Meus pais aceitaram minha cegueira, o que também me ajudou a aceitá-la", disse ele. "Ajudou o fato de eles não terem tido medo de riscos".

Cindy Gribomont, diretora de treinamento da Liga de Braille de Bruxelas, instituto para cegos que ajudou no recrutamento da polícia, diz que superar os preconceitos dos empregadores é seu maior desafio. "Os empregadores precisam ser estimulados, porque têm medo de empregar pessoas com deficiências."

Van Loo, de sua parte, diz que continua determinado a não deixar sua deficiência dominá-lo. "Ser cego não é sempre muito fácil", disse ele. "Não me concentro nisso. Não nego tampouco. É trágico, contudo, que um policial cego seja visto como exceção."

*Tradução:* Deborah Weinberg
*Visite o site do International Herald Tribune http://www.iht.com/pages/index.html>

Fonte: International Heraldo Tribune
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/herald/

Comentários

Continua-se aqui a reafirmar a crença de que deficientes visuais ouvem melhor do que quem vê. Depois de ler o texto do diogo um preconceito tradicional, eu pergunto: Será mesmo necessário rejeitar pessoas que têm grau de visão superior a 33 por cento ou isso fica por conta do preconceito?