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Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

De Como a Falta de Acessibilidade Comunicacional Exclui e Como a Inclusão é Alcançada Quando se Tem a Áudio-descrição

por Francisco Lima

Assim foi o relato de Gustavo Dantas à Revista Brasileira de Tradução Visual: www.rbtv.associadosdainclusao.com.br
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De Como a Falta de Acessibilidade Comunicacional Exclui e Como a Inclusão é Alcançada Quando se Tem a Áudio-descrição

Prezado editor,

Envio o relato de minha experiência, tanto com a falta de acessibilidade comunicacional, vivenciada em um espaço educativo do município do Recife/PE, quanto com oferta dessa acessibilidade, vivenciada no teatro, com o recurso da áudio-descrição
Minha expectativa é de que ao lerem este relato professores e dirigentes de espaços como esses e outros venham rever sua postura ao levar ou receber pessoas com deficiência visual em visitas a museus, mostra de artes, espaços ciências, centro culturais etc., propiciando áudio-descrição e exploração direta ao visitante com deficiência, sempre que possível.
Foi no ano de 2007, quando eu estava no segundo período, do curso de pedagogia, que o professor nos avisou que teríamos que fazer uma visita ao Espaço Ciência, e em seguida relatar tudo aquilo que fosse presenciado.
A visita foi marcada para um sábado de manhã. Cheguei cedo e fiquei aguardando até que o restante da turma chegasse.
Enquanto aguardava, procurava prestar atenção no ambiente que me rodeava. Tive a impressão de que se tratava de um local grande e aberto, lembrando um estacionamento de uma faculdade ou de um Shopping Center. Tentei descobrir maiores detalhes acerca do ambiente que nos cercava, mas as informações prestadas por alguns colegas da turma em muito pouco contribuíam para a minha ambientação. Expressões como “ali tem uma entrada” é exemplo da descrição que faziam, e que em nada ajudava para o meu entendimento a respeito do ambiente.
Assim que o restante da turma chegou, nos dirigimos à entrada do Espaço Ciência, onde nos aguardava um simpático casal de monitores que nos auxiliaria durante a visita.
Depois de nos cumprimentar, os monitores passaram a nos apresentar às mais diversas experiências.
A essa altura eu já demonstrava minha preocupação com a falta de acessibilidade comunicacional, pois muitas das experiências que estavam sendo apresentadas, utilizavam-se apenas de recursos visuais e não eram descritas. Sem o recurso de áudio-descrição encontrava-me presente, no entanto no tocante à participação, me sentia como se não estivesse ali.
Depois de algum tempo, eu já estava desanimado por não poder participar da atividade. Sem poder entender o que estava sendo mostrado, como eu poderia fazer um relato das experiências e apresentar aos colegas?
Então, comecei a procurar fazer uso das armas de que eu dispunha. Comecei, aproveitando as pausas das explicações dadas pelos monitores, a fazer perguntas aos colegas e até aos próprios monitores, que as vezes, respondiam e outras não, devido ao pouco tempo que tínhamos.
Daí, de pergunta em pergunta, lá ia eu, aproveitando alguns comentários. Assim, passei a construir um certo entendimento, meio vago, de algumas das experiências apresentadas.
Em outros momentos, quando se tratava de experiências mais concretas, como foi o caso do mapa em alto-relevo do Estado de Pernambuco, senti-me respeitado no direito de criar o meu próprio entendimento sobre o que estava sendo tratado.
Os comentários feitos pelos colegas, acrescidos dos feitos pelos monitores, me ajudaram a confirmar aquilo que já havia construído.
Um outro exemplo de que senti-me participando da visita foi quando da simulação de um maremoto, em que entramos em um equipamento redondo, lembrando um carrossel que, durante a experiência, ficava vibrando.
Em cada uma das experiências por onde passava, pouco a pouco, através de estratégias, próprias em condições desiguais, lentamente, ia construindo conceitos. Até que chegamos a um lugar chamado planetário.
Pelo que pude perceber, tratava-se de uma sala arredondada , com poltronas ao entorno. O ambiente era escuro e repleto de formas usadas para simbolizar astros e planetas.
De todos os ambientes por onde já havia passado, esse, com toda certeza, foi o mais difícil de compreender sem uma descrição. A linguagem utilizada pelos monitores, somadas às expressões gestuais sem nenhuma descrição, me fizeram, de uma vez por todas, desistir de entender o que acontecia, passando a fingir que não me importava com o fato de estar sendo negligenciado.
Pouco tempo depois, quando finalmente, tudo acabou, ainda tentei conversar com os monitores, mas devido ao pouco tempo que tínhamos, não consegui nada mais do que um pedido de desculpas.
Na semana seguinte, consegui do professor da disciplina, uma autorização para apresentar o meu relatório em forma de dinâmica, quando através de vários exemplos, trabalhei com os colegas de turma as questões básicas relacionadas a áudio-descrição.
Prezado editor, chamo a atenção para o fato de que a atitude certa, na hora certa, teria dado outro rumo a essa História. Se o recurso de áudio-descrição tivesse sido devidamente aplicado, pelos monitores ou até por qualquer colega de turma, teria garantido o meu direito à informação.

Com a áudio-descrição, a história é Outra
Lembro-me da primeira vez de que participei de uma peça teatral áudio-descrita, promovida pelo Centro de Estudos Inclusivos, da Universidade Federal de Pernambuco.
Na ocasião, fomos orientados a chegar antes do início da apresentação, pois teríamos a oportunidade de conhecer o cenário. Cada pessoa que chegava, era convidada a subir ao palco e a tocar no material que seria utilizado na apresentação.
Os detalhes que não podiam ser vistos através do tato, como cores, contrastes e outros, eram descritos pelo pessoal de apoio.
Como o objetivo era atender a todos, aqueles que preferiam ficar sentados, tinham garantido o direito à informação, pois a equipe de áudio-descrição descrevia, com riqueza de detalhes, o que se passava no palco.
Em seguida, quando as portas foram abertas e o restante do público começou a entrar, os áudios-descritores, novamente entraram em cena, informando ao público com deficiência visual detalhes sobre o quantitativo aproximado de espectadores, figurino e locais que estavam sendo ocupados por eles.
De detalhe em detalhe, dessa vez pude construir meu próprio entendimento, tanto do espaço físico e das pessoas que me rodeavam, como também do espetáculo como um todo.
Os fatos narrados aqui fizeram parte da minha vida, e de certa forma, contribuíram para que eu passasse a lutar cada vez mais pela existência desse recurso, seja nas Lojas, supermercados, hotéis, nos cinemas, nos teatros ou museus.
É preciso garantir às pessoas cegas e com baixa visão, o acesso a informação. Chega de ir a uma loja e não saber o que está exposto nas vitrines. Chega de ir a um restaurante e não poder desfrutar da decoração. Chega de ir ao parque e não poder conhecer a paisagem.

É preciso lembrar que milhares de pessoas por dia estão sendo negligenciadas, milhares de pessoas estão sendo obrigadas a abrir mão do direito de acesso a informação. È necessário juntar forças e repensar o atual modelo social. Só dessa forma, teremos verdadeiramente uma sociedade mais inclusiva.

Comentários

Francisco, seu relato é exato, racional e coerente. Agradeço por compartilhar neste meio, para que eu, tão distante de você pudesse conhecer este relato. Sou estudante de Informática na Educação, e estamos fazendo estudos sobre a acessibilidade comunicacional. Saber com tantos detalhes as dificuldades que você encontrou nos ajuda a sugerir melhorias nas escolas que temos aqui, próximas a nós.
Eu não conhecia o recurso de áudio-descrição: achei fenomenal!
Parabéns por seu excelente trabalho.