Cientistas descobriram que o cérebro de pessoas totalmente cegas reprograma a parte associada com a visão para processar sons.
O Dr. Olivier Collignon e seus colegas da Universidade de Montreal, no Canadá, compararam a actividade cerebral de pessoas que podem ver com a actividade cerebral de pessoas que nasceram cegas.
Eles descobriram que a parte do cérebro que normalmente trabalha com os nossos olhos para o processo da visão e da percepção do espaço pode reinventar-se e passar a processar a informação sonora.
Percepção espacial
A pesquisa fundamentou-se em estudos anteriores que mostram que os cegos têm uma maior capacidade para processar sons como parte da sua percepção espacial.
"Embora vários estudos tenham mostrado que as regiões occipitais de pessoas que nasceram cegas possam estar envolvidas no processamento não-visual, só recentemente se começou a estudar se a organização funcional do córtex visual observado em indivíduos com visão normal é mantida na região occipital dos cegos," explica Collignon.
O córtex visual, como o próprio nome sugere, é responsável pelo processamento da visão. O hemisfério direito e o hemisfério esquerdo do cérebro têm cada um o seu córtex visual. Eles estão localizados na parte de trás do cérebro, que é chamado lóbulo occipital.
"Nossos estudos revelam que algumas regiões do fluxo dorsal occipital direito não requerem uma experiência visual para desenvolver uma especialização para o processamento da informação espacial, sendo funcionalmente integradas na rede cerebral preexistente dedicada a esta capacidade," diz o pesquisador.
Plasticidade do cérebro
Esses resultados são mais uma demonstração da incrível plasticidade do cérebro.
A plasticidade é um termo científico que se refere à capacidade do cérebro de se alterar organicamente como resultado de uma experiência. Mesmo a simples mentalização, por meio da meditação, pode alterar a estrutura do cérebro.
"O cérebro designa um conjunto específico de áreas para o processamento espacial mesmo quando o indivíduo é privado dos seus inputs naturais desde o nascimento," diz o pesquisador.
O cérebro que não recebe os sinais visuais é suficientemente flexível para usar os neurónios originalmente voltados para a visão para desenvolver e executar funções exigidas pelos sentidos remanescentes.
Mecanicismo
"Esta pesquisa demonstra que o cérebro deve ser considerado mais como uma máquina orientada por funções do que uma máquina sensorial pura," diz o pesquisador.
Esta proposta está de acordo com uma série de descobertas recentes que vêm mudando a forma como os cientistas vêem o Cérebro.
Descobertas revolucionam conhecimento do cérebro
Nosso cérebro não é mais aquele que pensávamos que fosse.
Uma sequência de descobertas científicas, divulgadas ao longo dos últimos meses, está mudando a forma como o cérebro humano é visto e compreendido e, por decorrência, como devemos lidar com ele.
Você acha que o cérebro é dividido em áreas especializadas para processar cada um dos sentidos físicos? Você acredita que a dopamina seja o neurotransmissor do Bem-estar e Qualidade de vida? Você aprendeu que os neurónios comunicam-se em um sentido único? Então é melhor actualizar-se.
Só muito recentemente os cientistas começaram a construir a metáfora do cérebro como um computador, ao descobrir que os neurónios individuais têm poder computacional.
Tudo começou quando Costas Anastassiou e seus colegas do Caltech (EUA) descobriram que os neurónios podem comunicar directamente à distância, usando campos eléctricos e dispensando as sinapses.
Contudo, mesmo nas sinapses, a coisa é mais complicada do que se acreditava.
Os neurónios são complicados, é certo, mas seu conceito básico é o de que as sinapses transmitem sinais eléctricos para os dendritos e o corpo celular (entrada), e os axônios passam os sinais adiante (saída).
Pelo menos isto é o que está nos livros. Mas é melhor parar as máquinas e começar a reescrever os mesmos.
Num achado surpreendente, Nelson Spruston e seus colegas da Universidade Northwestern (EUA) descobriram agora que os axônios podem operar no sentido inverso: eles também podem enviar sinais para o corpo celular.
Ou seja, os axônios também conversam entre si e, não apenas isso: antes de enviar os sinais na contra-mão, os axônios podem realizar suas próprias computações neurais, sem qualquer envolvimento do corpo celular ou dos dendritos.
Isto contraria frontalmente o modelo da comunicação neuronal adoptado hoje, onde o axônio de um neurónio está em contacto com o dendrito ou com o corpo celular de outro neurónio, e não com o axônio desse outro neurónio.
Ao contrário dos cálculos realizados nos dendritos, os cálculos que ocorrem nos axônios são milhares de vezes mais lentos - provavelmente um mecanismo para que os neurónios calculem coisas mais urgentes nos dendritos e usem os axônios para as coisas mais lentas.
O impacto da descoberta é directo e contundente: os cientistas precisam saber em detalhes como um neurónio normal funciona para descobrir o que está dando errado quando surgem doenças como epilepsia, autismo, Alzheimer ou condições como a esquizofrenia.
Outro estudo recente apoiou a "hipótese do cérebro social", uma teoria segundo a qual a amígdala humana teria evoluído em parte para permitir que o homem lidasse com uma vida social cada vez mais complexa.
Amir Amedi e seus colegas da Universidade de Jerusalém estavam mais interessados em uma parte específica do cérebro, a parte responsável pela visão.
As suas descobertas questionam o actual paradigma das neurociências, que estabelece que o cérebro é dividido em zonas, cada uma responsável pelo processamento de sinais específicos.
Os cientistas descobriram que a parte do cérebro que se acredita ser responsável pela leitura visual - a parte do seu cérebro que está sendo accionada enquanto você lê este texto - nem mesmo precisa da visão.
Ao monitorar o cérebro de pessoas cegas enquanto elas liam textos em Braille, os cientistas verificaram que as imagens de ressonância revelam actividade exactamente na mesma parte do cérebro que é accionada quando leitores não-cegos leem usando os olhos.
Mais uma alteração à vista para os livros, uma vez que hoje é largamente aceite a noção de que o cérebro é dividido em regiões, cada uma especializada no processamento de informações vindas através de um determinado sentido - visão, tato, paladar etc.
"O cérebro não é uma máquina sensorial, embora muitas vezes ele se pareça com uma; ele é uma máquina de tarefas," propõe o Dr. Amedi, ainda sem se desvencilhar mecanicismo.
Segundo a proposta do pesquisador, cada área do cérebro faria uma tarefa determinada, sem vinculação a um sentido específico. Assim, a área da leitura visual seria activada esteja você lendo um livro com os olhos, um texto em Braille com os dedos ou mesmo relembrando o parágrafo de um texto que você está tentando decorar.
O Dr. Amedi aproveitou para dar uma espetada nas visões mais estreitas da evolução. Ao contrário de outras tarefas que o cérebro executa, a leitura é uma invenção recente, com pouco mais de 5.000 anos de idade. O Braille é usado há menos de 200 anos.
"Isso não é tempo suficiente para que a evolução tenha moldado um módulo do cérebro dedicado à leitura," disse ele.
Em vez de uma organização hierárquica, como se acreditava, o cérebro parece organizar-se como os computadores que formam a internet, de forma distribuída.
O trabalho de um grupo de cientistas da Universidade da Geórgia (EUA) e da Universidade Normal da China Oriental concentrou-se em outra área do cérebro, o chamado centro de recompensas.
O centro de recompensas, juntamente com o neurotransmissor dopamina, tem sido usado pela neurociência e pela psiquiatria para explicar inúmeras condições em que o indivíduo se guia pela busca do prazer - entre eles vícios, dependência química e inúmeros comportamentos.
Mas parece que o centro de recompensas vai precisar de um outro nome.
Joe Tsien e seus colegas demonstraram que essa área do cérebro responde também às experiências ruins.
Esteja você comendo chocolate ou caindo de um prédio - ou mesmo pensando em uma dessas coisas - a dopamina será produzida do mesmo jeito.
Os cientistas estudaram os neurónios de dopamina na área tegmental ventral do cérebro de camundongos, amplamente pesquisada por seu papel na chamada motivação relacionada à recompensa - mais conhecida como dependência química.
Eles descobriram que essencialmente todas as células apresentaram alguma resposta tanto a experiências boas como a experiências ruins - na verdade, um evento que induz o medo disparou 25% dos neurónios, produzindo uma enxurrada de dopamina.
"Nós acreditávamos que a dopamina estivesse sempre envolvida na recompensa e no processamento de sensações de bem-estar," disse Tsien. "O que descobrimos é que os neurónios de dopamina também são estimulados e respondem a eventos negativos."
Descobertas como estas podem impulsionar a compreensão do cérebro porque, munidos de descrições mais fiéis da realidade, os cientistas podem iniciar experiencias com resultados mais promissores.
O exemplo clássico é o da descoberta da plasticidade do cérebro. Por muito tempo se acreditou que o cérebro possuía um número fixo de neurónios, que só faziam morrer ao longo da vida, sem reposição.
A descoberta de que o cérebro é altamente adaptável levou a descobertas como a de que as mudanças no cérebro podem ser induzidas voluntariamente, dando sustentação a novas pesquisas na área de psicoterapia e meditação, entre outras, abrindo caminho para terapias não-medicamentosas de alta eficácia.
O Cérebro é mais do que uma máquina e se "liberta do corpo", diz cientista
Mas há muito a se fazer. Apesar de continuar avançando no entendimento da "troca de dados" entre os neurónios, os cientistas ainda sabem pouco sobre a linguagem que o cérebro usa nesses dados - é como se conseguíssemos detectar os 0s e 1s dos computadores mas não soubéssemos como transformá-los em letras e números.
Noticia extraída do Diario da Saúde.
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