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Alterações fiscais - comunicado da Associação Portuguesa de Deficientes

por Lerparaver

Para conhecimento de todos,

Associação Portuguesa de Deficientes

Reunião com o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

19 de Outubro de 2006

Largo do Rato, 1B
1250-185 Lisboa
Tele: 213889883/4; Fax: 213871095; e-mail: info-sede@apd.org.pt

NOTA PRÉVIA: Quando em 14 de Setembro, a Associação Portuguesa de Deficientes solicitou audiência a V. Exa., a razão que suscitou tal pedido prendia-se precisamente com a apresentação das propostas desta Associação em matéria de benefícios fiscais. Isto, porque tinha a APD sido alertada para o estudo que o Grupo de Trabalho, criado pelo Conselho de Ministros para os Benefícios Fiscais, estava a elaborar e que, entre outras matérias, se iria debruçar precisamente sobre a alteração aos benefícios fiscais dos trabalhadores com deficiência. Infelizmente, a audiência não foi marcada e as pessoas viram-se agora confrontadas com uma proposta que as afecta de forma gravíssima e para a elaboração da qual não foram consultadas.

1. Contexto

A Associação Portuguesa de Deficientes tem apresentado anualmente, propostas para serem integradas no Orçamento de Estado, considerando que há um conjunto de medidas que urge tomar para pôr termo às discriminações de que são vítimas as pessoas com deficiência, todos os dias e em todas as áreas. Estas propostas têm incidido, entre outras matérias, na necessidade de orçamentar verbas destinadas a tornar acessíveis os equipamentos, bens e serviços existentes de forma a garantir a igualdade de oportunidades em todas as áreas da vida.

Mas, a APD sempre demonstrou inequivocamente que, enquanto a igualdade de oportunidades não fosse assegurada, era dever do Estado compensar as pessoas com deficiência pelas despesas extraordinárias que advêm das desigualdades existentes e as obrigam a recorrer a apoios extraordinários que, forçosamente, têm reflexos negativos no orçamento familiar destes cidadãos. Estas compensações destinam-se pois a minimizar os custos que decorrem dos entraves impostos pela sociedade e não de "benefícios", tal como são comummente designados. Trata-se assim, de repor alguma justiça na vida de pessoas que são tratadas de modo mais desfavorável que os seus concidadãos. Este foi o princípio que presidiu à criação dos benefícios fiscais. O princípio da justiça social foi introduzido na altura, dado que os trabalhadores com deficiência que auferem rendimentos mais elevados pagam o IRS correspondente sobre o montante não abrangido pela isenção.

A título de esclarecimento passamos a enumerar algumas das razões que, na altura foram consideradas, para a criação dos benefícios fiscais. Estas são situações, que não decorrem da deficiência, os custos extraordinários que estas suscitam são responsabilidade de uma sociedade que não atende aos direitos destes cidadãos.

1. As pessoas com deficiência motora, particularmente as que se deslocam em cadeira de rodas ou de canadianas, têm de recorrer à ajuda de terceiros para acederem ao meio físico e ao meio edificado, nomeadamente aos edifícios públicos, nos quais funcionam equipamentos fundamentais para a vida dos cidadãos, como centros de saúde, escolas, centros de segurança social, centros de emprego, etc.etc.etc. Por norma, são os familiares destas pessoas que os acompanham. Muitas vezes, e normalmente é à mãe ou ao cônjuge que cabe esta tarefa, o familiar prescinde do emprego, ou falta ao emprego. A economia familiar é afectada e não há qualquer instrumento legal que repare estas despesas acrescidas do agregado familiar, a não ser os benefícios fiscais.

2. O mesmo se aplica aos cidadãos com deficiência visual e auditiva, porquanto a informação e a comunicação disponibilizada pelos serviços públicos e privados não é acessível. Também, nestes casos não há qualquer instrumento legal que repare estas despesas acrescidas do agregado familiar, a não ser os benefícios fiscais.

3. Vencer as barreiras físicas provoca sérias repercussões na saúde das pessoas com deficiência, com os custos que daí advêm. Também, nestes casos não há qualquer instrumento legal que repare estas despesas acrescidas do agregado familiar, a não ser os benefícios fiscais.

4. O acesso a uma educação de qualidade está limitado no caso das pessoas com deficiência, e isto, porque os apoios que são disponibilizados pelo Ministério da Educação são muito deficientes. Daqui decorre que as habilitações literárias destes cidadãos são, por norma, muito baixas o que se reflecte negativamente nas suas remunerações, quando conseguem integram o mercado de trabalho. . Também, nestes casos não há qualquer instrumento legal que repare o baixo rendimento do agregado familiar, a não ser os benefícios fiscais.

5. Os transportes públicos são inacessíveis. No caso das pessoas que adquirem viatura própria, apesar das isenções de IVA e de IA, a opção é só o transporte próprio, com os custos que tal implica. Os restantes cidadãos com mobilidade condicionada recorrem aos táxis. Também, nestes casos não há qualquer instrumento legal que repare estas despesas acrescidas do agregado familiar, a não ser os benefícios fiscais.

6. A sociedade não está sensibilizada para os direitos humanos das pessoas com deficiência. Os custos psicológicos que resultam de tratamentos distintos por parte dos seus concidadãos, nomeadamente dos empregadores, reflectem-se na saúde destes cidadãos. Também, nestes casos não há qualquer instrumento legal que repare estas despesas do agregado familiar, a não ser os benefícios fiscais.

Por outro lado, as pessoas com deficiência têm outras despesas acrescidas, estas decorrentes da própria deficiência, que o Estado por uma mera questão de justiça social e de solidariedade deve compensar, em sede de benefícios fiscais, e passamos a referir alguns:

1. Na aquisição de medicamentos e produtos medicamentosos, não comparticipados pelo Estado;

2. Na aquisição de ajudas técnicas, considerando que os orçamentos das entidades prescritoras esgotam nos primeiros meses;

3. Na contratação de assistência por terceira pessoa;

4. Nas adaptações na habitação;

5. No agravamento dos seguros de vida celebrados para que sejam concedidos empréstimos destinados à compra ou à realização de obras na habitação.

Estas são despesas que a Segurança Social não cobre, pelo que a opção foi a sua reparação através dos benefícios fiscais.

Ora, a proposta do Orçamento de Estado para 2007, ao pôr fim aos benefícios fiscais vai ter um impacto tremendo na vida das pessoas com deficiência, porque significa, na prática que o vencimento mensal dos trabalhadores com deficiência vai diminuir. E nem se diga que irão ser ressarcidas no final do ano fiscal, porque é no dia a dia que estas despesas se colocam. E nem se fale em justiça social porque é precisamente nos vencimentos mais baixos que esta diminuição se irá fazer sentir de forma mais angustiante.

2. Propostas

Em face do que foi dito, considera-se que as pessoas com deficiência devem continuar a beneficiar de discriminação positiva em matéria fiscal, pelo que a Associação Portuguesa de Deficientes propõe ao Ministério das Finanças:

1. Manter o tratamento fiscal ao nível dos benefícios na mesma proporção que consta do Orçamento de Estado de 2006.

2. Eliminar o Artigo 87.º, proposto pelo Artigo 45.º - Aditamento ao Código do IRS, da proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2007.

Lisboa, 19 de Outubro de 2006

Comentários

Sou um deficiente com elevado grau de incapacidade.

Tenho sido capaz de manter uma profissão muito activa contribuindo de forma significativa para as contas do estado em termos de impostos nomeadamente IRS.

Observo diariamente as dificuldades que os cidadãos comuns encontram em termos de acessibilidades físicas ou de cuidados de saúde. Essas dificuldades são obviamente exponenciadas de modo a tornarem-se verdadeiras barreiras para muitos deficientes.

Um deficiente é alguém cuja força de vontade é posta à prova diariamente nos mais simples gestos quotidianos.

Um deficiente é alguém que valoriza os cuidados de saúde crónicos porque sabe que são essenciais à melhoria ou à não deterioração da sua condição. Um deficiente depende pois da prestação de cuidados regulares e gasta grande parte do seu orçamento de modo directa ou indirectamente relacionado com os mesmos.

Por alguma razão o termo anglo-saxónico politicamente correcto para deficiente físico ou mental é cidadão com desafios físicos ou mentais. Em Portugal poderíamos acrescentar: cidadão com desafios económicos.

A garantia da não-discriminação passa obviamente por não penalizar os deficientes, que são exactamente aqueles que têm de vencer diariamente maiores desafios.

Considero insultuosa a proposta injustificada de aumentar os impostos dos cidadãos com deficiência em sede de IRS. Esta proposta merece e bem a firme oposição desta associação.

Sugiro a mobilização geral e urgente dos deficientes para defesa dos seus direitos.

Corroboro na íntegra tudo o que ficou dito.

Também sou deficiente com um grau de incapacidade de 70%. Gostaria de saber o que pensam os Sr Primeiro Ministro e Sr Ministro das Finanças quanto ao acréscimo de 50% que pago no meu seguro de vida referente ao crédito à aquisição de habitação.Será que sou só deficiente para pagar???????

Já sugeri também uma mobilização a nível nacional e urgentíssima para que os deficientes defendam os seus direitos, perante esta visão estritamente economicista dum Governo que diz defender a solidariedade social!!!!!!!!!

Isto é escandaloso.........................

Como posso saber quais são realmente as alterações propostas no Orçamento para 2007? Alguém me pode ajudar?

Obrigada desde já.

Um indicador que pode usar-se para medir o grau de desenvolvimento de uma qualquer sociedade é o grau de protecção social que cada uma dá aos mais desprotegidos no sentido da sua inclusão: na assistência à terceira idade, aos mais pobres e excluídos, a assistência na doença, no desemprego e aos portadores de deficiência. Estas ajudas e apoios, quer sob a forma de subsídios directos, quer sob a forma de benefícios fiscais, são concedidos fruto de um reconhecimento das dificuldades acrescidas que estes grupos sociais enfrentam e como forma de minimizar a desigualdade dela emergente. Na sua ausência total, teríamos uma sociedade em que o idoso teria que assumir por inteiro os encargos da sua velhice, o doente teria que pagar por inteiro os seus tratamentos e medicamentos, o desempregado seria empurrado para a mendigagem, o pobre não teria o que comer, o deficiente teria de suportar os encargos acrescidos que derivam da sua deficiência, numa lógica de “podes pagar ou morres, podes pagar ou não tens.”

No caso específico dos portadores de deficiência, há encargos acrescidos que não são tão poucos como isso, desde os cuidados de higiene pessoal que o deficiente motor tem que pagar quando não tem uma família que o apoie, o tradutor a quem o deficiente auditivo tem que pagar para lhe traduzir mensagens orais, o leitor a quem o deficiente visual tem que pagar para lhe ler documentos escritos, a comida e o veterinário do cão-guia. Até o táxi a que têm de recorrer, quer porque os transportes públicos não estão preparados para cadeiras de rodas, quer porque não podem tirar a carta de condução porque não vêem, a todas estas despesas o Estado esteve atento até agora e, tal como a banca tem um regime fiscal favorável em sede de IRC, também os deficientes o têm, em sede de IRS, por forma a minimizar a desigualdade resultante de ser portador de uma deficiência e aproximar os seus níveis de vida ao daqueles que, com o mesmo nível de rendimento, não têm que fazer face a tais despesas.

Seria longa a lista de despesas extra inerentes a ser-se portador de uma deficiência. O propósito deste post é o de assinalar a data da aprovação de um Orçamento de Estado que elegeu 22% dos deficientes portugueses como privilegiados a quem houve que retirar privilégios. A condição de deficiente passa, a partir de ontem, a depender do rendimento auferido por cada um. Os que auferem rendimentos mais elevados, se quiserem manter um nível de vida aproximado aos dos não deficientes que auferem o mesmo nível de rendimento, usando as despesas que enunciámos, que se lavem menos, que tenham as casas mais sujas, que dêem os cães-guia a alguém e que andem menos de táxi, que leiam menos ou falem menos com quem pode servir-se da oralidade para comunicar.

Não sei quantos cêntimos o Governo de esquerda de José Sócrates poupará com isto, mas sei que 1% de auemnto da tributação sobre os lucros da banca daria muito mais que cêntimos. A escolha política foi outra, o Governo prefere dar tratamento de "privilegiado" a quem o não é e a manter privilégios fiscais a quem tem realmente poder económico. Sei, sim, que isto constitui um retrocesso na nossa evolução enquanto sociedade e tenho, também, plena consciência da cobardia deste acto, perpetrado contra um grupo sem poder reivindicativo, que não fará qualquer greve de protesto em reacção à medida e que continuará, silenciosamente, a ouvir falar em igualdade de oportunidades.

In "O país do Burro" - http://opaisdoburro.blogspot.com