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Da comunicação interpessoal à comunicação em ambiente virtual

por Lerparaver

Leonardo Silva - Da comunicação interpessoal à comunicação em ambiente virtual

Leonardo Cunha da Silva

A abordagem histórica dos media constitui uma das formas para melhor se compreender o desenvolvimento da relação do homem com a COMUNICAÇÃO. Partimos, assim duma selecção das principais invenções mediáticas no decurso dos tempos (do homo loquens e pictor" ao "homo digital") para determinar os episódios marcantes do processo de comunicação (da comunicação interpessoal à comunicação virtual).

A história da comunicação segundo Cloutier (1975) divide-se em comunicação interpessoal, de elite, de massa e individual e ainda um quinto episódio que começa a marcar o tempo actual: a comunicação em ambiente virtual.

Comunicação Interpessoal

Inicia-se quando o homem utiliza os meios apresentativos - os gestos e a voz - para se expressar. É muito difícil estabelecer com exactidão quando surgiu a primeira intenção de comunicação humana. Os primeiros sons do homem imitavam os rugidos gerados pelo ambiente, sons onomatopeicos. O homo sapiens tornar-se-ia no homo loquens, inventando uma linguagem para exteriorizar as suas necessidades, as suas ideias e os seus desejos, diferenciando-se dos animais pela utilização de um sistema de comunicação progressivo e aberto que pode transmitir-se e enriquecer-se de geração em geração.

No período em questão não existiam ainda suportes materiais para a comunicação. A exteriorização pelo gesto e pela palavra necessita da presença de todos os interlocutores num mesmo espaço e momento.

O homem desenvolve a capacidade de produzir representações icónicas, dando origem ao homo pictor; fruto de uma habilidade intelectual e manual. O homo pictor elabora técnicas e suportes diversos, embora utilize preferencialmente o muro das cavernas; no entanto existem réplicas simbólicas das cenas visuais do seu mundo circundante ou ideocenas presentes na sua imaginação. Esta comunicação simbólica pronunciava o advento da escrita dando origem à comunicação de elite.

Comunicação de Elite

A escrita, no sentido estrito do conceito como tecnologia que mudou e impulsionou a actividade intelectual do homem moderno, representa uma invenção muito tardia na história da humanidade.

O aparecimento da escrita permite uma configuração comunicativa radicalmente nova. A sua linguagem constitui-se mediante regras gramaticais, exigindo uma aprendizagem especial, um conhecimento especializado. É um saber que não pertence a todos. Estabelece-se, assim, contrariamente à oralidade, uma dicotomia entre os que dominam o seu exercício e os que não. É com base nesta desigualdade que Cloutier (1975) designa esta configuração comunicacional por comunicação de elite.

Seja porque a escrita estava associada a um poder secreto e mágico (sendo considerada uma actividade perigosa para o leitor menos esclarecido) e a um instrumento de poder e controlo da população por parte dos Estados Régios e das autoridades religiosas, a sua aprendizagem generalizada tardou, permanecendo durante muito tempo como uma forma de comunicação elitista. No século XVIII intensificaram-se os esforços com vista à escolarização universal dos saberes básicos do saber ler, escrever e contar.

Comunicação de Massa

O aparecimento dos media de amplificação marca a passagem para outra configuração comunicativa, a comunicação de massa. Passa-se de uma configuração em que o âmbito da comunicação estava circunscrito a um reduzido número de receptores para um âmbito extremamente elevado de receptores.

Dois momentos históricos correspondem no século XV ao aparecimento da tipografia e desenvolve-se no século XIX com uma série de invenções no âmbito das telecomunicações (do telégrafo e do telefone) e do som e da imagem electrónicos (radiofonia, cinema e televisão).

Por volta da década de 60 do século XIX, inicia-se o período da fase industrial e da comercialização em massa com a publicação de jornais a preços reduzidos dirigidos a públicos numerosos e heterogéneos.

O segundo momento da comunicação de massas remete-nos para a "galáxia de Marconi", caracterizada pela emergência das telecomunicações e do mundo das imagens electrónicas, dando-lhe início a uma nova era comunicacional de espaços multidimensionais e ubíquos. Com a invenção do transístor a rádio pode acompanhar--nos por todo o lado. Vence todas as distâncias, sejam de âmbito físico ou cultural, achando-se ao alcance dos indivíduos analfabetos.

A televisão é o último media da configuração comunicativa de massa. Parte da "força" deste media, capaz de influenciar e organizar os estilos de vida e hábitos comunitários (hora das refeições, de deitar e de levantar, de sair de casa, de conversar e conviver...), bem como condicionar culturalmente os cidadãos através da disseminação de ideias e modismos à escala planetária vem da nova configuração comunicativa de recepção - a mensagem televisiva tem penetração na casa de qualquer pessoa, ocupando, por isso, um lugar estratégico do âmbito sócio-cultural na célula familiar.

A invenção e a inovação dos meios impressos (livro e jornal) e tecnológicos (cinema, rádio e televisão) tem em comum a emergência de uma configuração de massa, a amplificação das mensagens para um público numeroso e heterogéneo, seja por via da sua multiplicação através da produção de cópias, seja por via da difusão espalhando-a instantaneamente por todo o lado. Entretanto, a evolução tecnológica iria propiciar o aparecimento de uma nova configuração comunicativa.

Comunicação Individual

A chegada dos transístores, dos circuitos integrados e dos microprocessadores, para além de banalizarem os meios de comunicação de massa e assegurarem o seu triunfo, abrem uma nova configuração comunicativa. As possibilidades oferecidas pela tecnologia do registo e miniaturização do equipamento oferecem ao homem os media de expressão individual. Modifica-se, deste modo, não só o âmbito da recepção pela facilidade no acesso à informação, conservada e disponível nos mais variados suportes, como também o âmbito da emissão por permitirem a expressão individual em distintos discurso. Daí que Cloutier designe este novo episódio comunicativo por comunicação individual, pela possibilidade de se dispor duma série de meios tanto para emitir como para receber.

Na era da comunicação de massas uma série de meios cobre um vasto universo comunicativo, incidindo em diversas modalidades discursivas: visual, audio, scripto, audiovisual e multimédia.

O ENIAC (Electronic Numeral Integrator And Calculator), foi considerado o primeiro verdadeiro computador. O indivíduo deixa de ser um mero espectador para se converter em emissor e processador da informação.

A capacidade de interligação destes equipamentos entre si, dando origem às redes informáticas, permitiu a sua utilização colaborativa. Esta ampliação do uso individual marca a passagem para uma nova configuração comunicativa.

Comunicação em Ambiente Virtual

A utilização das tecnologias de comunicação, ocorrida nos últimos anos da década de 80, marcada fundamentalmente pelo aperfeiçoamento dos microprocessadores, pelo uso da fibra óptica e pela digitalização da informação, anuncia mudanças profundas, algumas já em curso, outras que se pronunciam.

A digitalização, já utilizada na informática mas alargada agora ao audiovisual e às telecomunicações, ao permitir tratar toda a informação como uma série de números, possibilita a compatibilidade entre os diferentes sistemas, quer sejam portadores de voz humana, textos, dados estatísticos, sons e imagens.

Em termos técnicos, estas evoluções anunciam o fim dos guetos tecnológicos e a constituição de uma rede comunicativa universal. A entrada progressiva da informática no mundo dos media abriu vias de aliança entre as telecomunicações, o audiovisual e o computador, iniciando o estabelecimento das tradicionais fronteiras entre sistemas. A disponibilização de serviços como o teletexto, videotexto, correio electrónico e videoconferência, são alguns dos exemplos desta política convergente.

A noção de rede é o conceito chave para caracterizar este episódio comunicativo. Passando do âmbito técnico para o social, este conceito significa que estamos perante um universo comunicativo em que tudo está ligado, em que o valor é dado pelo estabelecimento de uma conexão, de uma relação. E na medida em que a conectividade é efectuada através da interfacialidade do ecrã, denominamos este novo episódio por comunicação em ambiente virtual.

O adjectivo "virtual" não deve entender-se, nesta asserção, como oposto a "real", mas como forma de o "homo communicans" visualizar e manipular informações, interagindo com o mundo através de interfaces abertas a conexões novas.

Ao alcance da "ponta dos dedos" do "homo communicans" abre-se um mundo de informações vindas de lugares muito longínquos e por tradição fechados, como os grandes arquivos, ao mesmo tempo que lhe permite estar, sem se mover fisicamente, em diferentes lugares. Desta forma à multidimensionalidade do universo comunicativo junta-se a natureza ubiquística do indivíduo. Aqui se estabelece uma rede de conversação onde se trocam reclamações e compromissos, ofertas e promessas, aceitações e recusas, consultas e resoluções. Não transitam, portanto, simples informações, mas actos de comunicação onde o mundo privado da experiência pessoal daqueles que os praticam é projectado no interior do mundo interpessoal e grupal das interacções. Reside aqui a grande diferença entre o ecrã televisivo da era dos mass-media e o ecrã informático: enquanto a televisão traz o mundo público para dentro de casa, o ecrã informático, conectado em rede, leva o mundo interior de cada indivíduo para o espaço público.

A Internet que hoje conhecemos e que milhões de indivíduos já utilizam, é o exemplo da rede de base colaborativa.

Leonardo Cunha da Silva