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Pensamento sobre barreiras arquitectónicas

por Lerparaver

Deixamos aqui este texto da autoria do José Fernando Rodrigues, que aborda alguns pontos de acessibilidade ao meio físico e transportes. Pensamos que é um bom tema para discossão, sensibilização, recolha de mais contributos e opiniões, e quem sabe, enviar a quem de direito!

Boa tarde!

Fiz o documento infra com outros propósitos mas, porque me interesso muito por barreiras arquitectónicas, sejam elas físicas ou digitais e porque este grupo fala de acessibilidade, tomei a liberdade de partilhar com todos o meu pensamento sobre barreiras arquitectónicas.

Cumprimentos.

INTRODUÇÃO

Este documento pretende ser um esboço de trabalho e está aberto aos contributos de todos. Muito do seu conteúdo é baseado na minha condição de amblíope, cidadão activo e nas dificuldades que encontro com a minha experiência diária.

O ideal seria que se normalizassem e universalizassem muitas destas sugestões e das que, certamente, irão sendo acopladas para que as coisas não mudassem de cidade para cidade ou de empresa para empresa. Em Portugal tem-se feito muita coisa mas, cada um, está a fazer aquilo que acha melhor, sem haver uma uniformização.

I BARREIRAS NAS RUAS E MOBILIÁRIO URBANO

1.1 Ruas

Um exemplo positivo da minha terrinha. Em Viseu, no centro da cidade, os passeios, junto às passadeiras, para além de estarem rebaixados, têm uma alteração no pavimento. Surge um pavimento as bolinhas em relevo que indica que naquele local existe uma passadeira. Esse tal pavimento é colocado a toda a largura da passadeira e dá a indicação, ao cego, da orientação da passadeira. É difícil de explicar mas vou tentar. Imaginem que estão a terminar de atravessar uma rua. Quando colocam os pés no tal pavimento, depois de darem uns paços, vão verificar que o pavimento vos encaminha em frente, mais para a direita ou mais para a esquerda. Ora, esta orientação respeita a orientação do passeio em frente de vós.

O nosso Fernando Ruas fez outra coisa engraçada que, embora não tenha sido pensada para amblíopes, nos dá um jeitão. Posso dizer-vos que, neste campo, Viseu é única no país. Os semáforos, para além de apitarem, dão, aos automobilistas e aos piões, a indicação decrescente dos segundos que ainda temos que esperar ou para passar. Imaginem que chegaram à passadeira e só têm três segundos de sinal verde? Ora, já não se atrevem a passar e esperam pelo próximo sinal verde. Isto dá jeito aos amblíopes porque, mesmo em dias de sol forte, os sinais ficaram mais visíveis.

Para terminar os exemplos da minha cidade, na Praça do Município, Rossio ou Praça da República, (é conhecida por estes três nomes), foram colocadas umas guias no chão, em pedra, que levam os transeuntes à porta da câmara ou a todas as passadeiras que se encontram na praça. Uma vez li uma entrevista do nosso companheiro Fernando Pereira, que a tal política dos amigos dos amigos fez afastar da ACAPO, onde ele defendia estas guias porque metia a ponta da bengala nas ranhuras que se encontram no chão e era só seguir a guia. Ele mostrou-se satisfeito.

Mas, nem tudo são rosas. Viseu tem os defeitos de todas as cidades: buracos, toldos mais baixos do que o regulamentar, carros estacionados onde todos sabemos ou, nas ruas mais históricas de comércio tradicional, metade da loja é posta na rua.

A adaptação urbana é o ponto onde se nota a tal falta de entrosamento na escolha de soluções universais. Dei-vos o exemplo de Viseu mas sei que na Pia do Urso ou nas aldeias de Xisto da Serra da Lousã, por exemplo, as soluções encontradas já não foram estas. Há muito trabalho a fazer junto da Associação Nacional de Municípios e da Associação Nacional de Freguesias. Mas a empreitada é tão grande que não pode ser a ACAPO sozinha a parlamentar com aqueles senhores. Então e os surdos? Então e os condutores de cadeiras de rodas? Nenhuma freguesia vai fazer três adaptações diferentes no mesmo local.

1.2 Mobiliário urbano

Bem, o mobiliário urbano tem de ser bem visível, bem colocado e conservado. Aqui, para começar, temos um problema: é o vandalismo que, ao destruir, transforma, adulterando as características originais. Para não me alongar muito, deixo alguns exemplos daquilo que está mal.

Os “orelhões” da PT, os mais modernos, são construídos em alumínio cinzento e têm abas protectoras em acrílico transparente. Para um amblíope, dar lá com a cara e magoar-se a sério é coisa corriqueira.

A sinalização vertical está por todo o lado. Pois bem, para além de terem de estar a uma altura que garanta segurança aos transeuntes, os tubos de suporte que vão do chão ao sinal, deveriam ser pintados numa cor bem visível e não no tradicional cinzento.

Os caixotes do lixo, ecopontos e outras estruturas amovíveis deveriam estar bem presos para que sejam evitados acidentes.

Para além das autarquias aqui a responsabilidade deveria recair junto das empresas de divulgação de publicidade e das associações locais de comerciantes.

Uma última palavra para os painéis de informação institucional. Todas as nossas cidades têm painéis de informação turística, por exemplo. Pois bem, já que eles até são electrificados, porque não ser-lhes acoplado um sistema áudio de informações?

1.3 Obras

Infelizmente, tenho muitas fotos tiradas a obras que não cumprem as regras de segurança. E que me dizem os meus amigos aquelas fitas vermelhas e brancas que sinalizam uma obra mas que podem ser arrancadas pelo vento?

E aquelas tampas dos passeios que foram levantadas por poucos minutos e ficam uma manhã toda fora do sítio com uns mecos cor de laranja à volta?

E aqueles andaimes que serviram para pintar uma fachada de um prédio e, como não estão isolados como manda a lei, servem para nos ensarilharmos lá todos e nos trocarem as voltas, a nós e a bengala?

Caros companheiros. Aqui a mão da lei deveria ser pesada porque todos nós conhecemos alguém que já se magoou numa obra. Deveria ser critério de escolha das empresas a garantia de segurança que essas mesmas empresas assumissem na sua obra.

II BARREIRAS NO ACESSO E INTERIOR DE EDIFÍCIOS PÚBLICOS

Começo por um exemplo positivo. O atendimento da segurança social de Viseu, tal como todos os atendimentos da administração pública, funciona com o sistema de senhas. Mas, neste caso, para além da informação visual, temos também a informação sonora. Por exemplo: “senha número cento e dezanove, … mesa dois”.

Levanto, novamente, a preocupação com a existência de informações em Braille e ampliadas sempre que possível. E, para nós, não basta a indicação do serviço “x” ou “y”. Necessitamos, também, que nos indiquem onde estão as escadas, os elevadores, o WC, a cafetaria, etc. Muitos edifícios públicos, como por exemplo, as lojas do cidadão, são demasiado complexos para nós. Estas indicações têm que ser colocadas em locais estratégicos: à entrada da porta, ao virar de uma esquina ou no início de umas escadas. Devem ficar à altura dos olhos e das mãos, no caso do Braille. Não podemos ignorar que ainda há elevadores antigos sem indicações em Braille.

Voltando à questão das senhas, é tão simples colocar informações em Braille nos terminais de sanhas que se destinam a vários serviços!

Se a tecnologia existe e já vos provei que existe, porque razão “nem todas as senhas falam connosco”?

É tão simples colocar bandas florescentes que indiquem os degraus!

Não posso esquecer as portas de vidro que, mesmo para um normovisual são um problema. Um dia destes uma senhora de idade, ia a entrar num supermercado próximo aqui da minha residência. Mas, por distracção e porque o vidro não tinha qualquer indicação, a pobre senhora deu uma “marrada” tão forte no dito vidro que o estrondo foi tão audível que fez parar todo o supermercado. Por sorte não partiu a cabeça nem o vidro. É, meus companheiros, isto é tão simples de resolver. Basta colocar uma indicação qualquer ou uma faixa publicitária à altura dos olhos. As portas de correr quando não correm, bem visto, são um perigo porque apresentam um vidro emaculado.

III BARREIRAS NOS TRANSPORTES E MATERIAL CIRCULANTE

3.1 Transportes ferroviários

Todos nós sabemos que alguma coisa se tem feito a este nível. As bandas limitadoras nas plataformas, no comboio e no metro; as indicações sonoras nas estações e no interior das composições; algumas indicações em Braille e ampliadas em painéis informativos. Mas, ao que julgo saber, no campo do transporte ferroviário reside o problema da aquisição automática de títulos de transporte que na esmagadora maioria dos casos, não está acessível. Portanto, caros amigos, devemos continuar a insistir com a CP, a REFER, a Fertagus, a RAVE, o Metro de Lisboa, do Porto, a Metro do Mondego e outros operadores que venham a surgir uma vez que, felizmente, a nossa rede ferroviária está em grande transformação, para que acompanhem as inovações introduzidas nas acessibilidades.

Em todos estes casos, o acesso a informações está facilitado pela via da internet com a disponibilização dos horários, dos possíveis congestionamentos ou atrasos nos trajectos, nos preços e condições da viagem, contudo, há outros veículos de informação mais expeditos que devem ser estimulados: as mensagens SMS, as informações no GPS e outros.

É claro que o apoio dos funcionários destas empresas é sempre fundamental e a sua formação deve ser apoiada por instituições de deficientes.

3.2 Transportes rodoviários

Uma palavra agora para os transportes rodoviários de passageiros urbanos, suburbanos ou de longo curso, porque aqui sim, há muito a fazer devido a diversidade da oferta e deslocalização geográfica dos serviços. Bem, mas aqui, também há exemplos positivos como por exemplo os SMTUC, autocarros urbanos de Coimbra que têm feito um esforço no sentido de melhorar a oferta para DVs. Mas, neste campo, convido alguém daquela cidade a dar o seu testemunho. Em tempos propus um esboço de protocolo às autoridades locais de Viseu da ACAPO para que também em Viseu as coisas começassem a melhorar mas como a “nossa ACAPO” funciona muito na base das capelinhas e na base dos amigos dos amigos, tal desiderato não chegou sequer a arrancar, muito menos a andar.

Bem, os problemas surgem logo nas centrais coordenadoras de transportes que não têm informações sonoras sobre partidas e chegadas nem sobre os cais de embarque. As informações visuais são feitas para normovisuais. Ninguém se lembra de ampliar as informações e de lhes dar um contraste. A estação da rodoviária de Coimbra, é assim que é conhecida, foi remodelada recentemente e, no que concerne às nossas necessidades, deixa muito a desejar. Tive oportunidade de falar com o responsável pelo local, chamando-o à atenção para algumas intervenções mas, se a conversa foi muito agradável, a prática, volvidos alguns meses, não se efectivou. No país há muitas estações rodoviárias sem informação sonora ou visual, sem indicações dos cais ou das empresas que lá laboram. É importante elencar-se um conjunto de sugestões de forma a universalizar a acção a desempenhar pelas instituições de e para deficientes.

Já a adaptação dos veículos será mais complicada e demorada pois as empresas adquirem novas viaturas à medida das necessidades e essas viaturas já trazem algumas adaptações úteis como por exemplo os degraus de acesso com uma banda florescente bem visível. Equipar os expressos com sistemas áudio seria o ideal, contudo, devem ser sensibilizados os motoristas para informar os passageiros das paragens.

À guisa de sugestão ficam alguns conselhos que, na minha prática diária, como amblíope, daria às empresas transportadoras e centros de transportes.

1 Equipar as viaturas com informação sonora e marcação dos lugares bem visível e mais lógica para o passageiro.

2 Assinalar os degraus de acesso com bandas florescentes.

3 Pintar os autocarros com cores visíveis, apelativas, que indiquem, à distância, que é um autocarro urbano da cidade tal ou um expresso da empresa tal. Para um amblíope isto é muito importante porque se se encontra numa paragem de uma rua bem movimentada, pode correr o risco de estar a mandar parar autocarros de turismo ou de empresas que nada têm a ver com os transportes urbanos. Recordo-me que, no Funchal, por exemplo, os autocarros eram de um amarelo alanranjado que ninguém tinha dificuldades em identificar. Neste capítulo a publicidade é um inimigo nosso porque nos baralha a pouca visão que temos com uma paleta de cores enorme. Esta questão do aspecto faz-me lembrar o exemplo dos táxis. Ora, quando surgiu aquela hedionda, na minha opinião, regra de se poder pintar os táxis de creme, foi uma loucura porque, à distância, qualquer carro creme poderia ser um táxi. Mas, caros amigos, ninguém vai, no seu prefeito juízo, comprar um carro preto e verde. Os nossos táxis são únicos e são tão lindos sendo pretos e verdes!

4 Colocar, no caso dos transportes urbanos, os números da linha, no caso dos expressos, as indicações do destino, em painéis maiores, com mais contraste, na parte da frente da viatura e de lado junto à porta de entrada dos passageiros. Para alguns amblíopes esta adaptação impediria o normal questionar dos outros passageiros que estão na paragem, sobre o número que se aproxima. E se não houver ninguém na paragem? Bem mas, neste ponto, para mim, a solução seria outra. Há estudos que pretendem que o telemóvel ou o GPS, por exemplo, informe qual o autocarro que se está a aproximar ou o que vem a seguir. Quando ando de autocarro sinto-me mais desconfortável quando estou à espera do que quando estou lá dentro. Prezo muito a minha autonomia e custa-me estar sempre a perguntar que número é. Em Coimbra acontecia uma coisa engraçada. Quando um motorista via um “ceguinho” parava e perguntava se ele queria ir para a ACAPO! Algumas vezes iam mais longe: se acontecia um cego circular no autocarro e um outro cego estava na paragem, o motorista parava e dizia “entre que já vai aqui um colega seu”. Ora, não temos necessidade de sermos expostos a este ridículo.

4 Como já referi, nas centrais de transportes, é fundamental a informação sonora e a existência de painéis visuais bem ampliados e com bom contraste. Mas, este ponto, entronca no capítulo da adaptação de edifícios públicos.

3.3 Transportes fluviais

Neste ponto não me sinto nada apto para emitir opiniões, por isso, solicito aos membros desta lista que fazem travessias do Tejo, por exemplo, que deixem as suas sugestões.

3.4 Transportes aéreos

Confesso-vos que, sempre que utilizo um aeroporto português, sinto bastantes dificuldades em encontrar o check in, a porta de embarque ou o local de recolha de bagagens. Acho que o problema, tal como noutros edifícios públicos, é a falta de informação adaptada. No interior do avião, tudo normal.

CONCLUSÃO

Hoje, propositadamente, nada direi sobre barreiras ao acesso à informação, ficando essa reflexão para uma posterior oportunidade.