Por José Adelino Guerra
É quase um lugar comum dizer-se que o ordenamento jurídico português é profuso em normas jurídicas directa ou exclusivamente relacionadas com a pessoa portadora de deficiência.
Esta constatação faz-se desde logo ao nível da Lei Fundamental, que consagra o seu artigo 71º aos cidadãos portadores de deficiência, tema que volta a ser recuperado um pouco mais adiante, a propósito do direito à educação (artigo 74º, nº 2, al. g).
Em patamar imediatamente abaixo, segue-se a Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, Lei n.º 9/89, de 2 de Maio, alargando-se depois a base da pirâmide num vasto elenco de Leis, Decretos-Leis, Resoluções e Regulamentos, geralmente cobrindo sectores específicos como a organização associativa, a saúde, a formação profissional e o emprego, a educação, o desporto, o acesso à informação, e tantos outros.
E o que importa saber é se esta copiosa actividade legislativa do Governo e da Assembleia da República, garante só por si o bem-estar das pessoas, a sua realização pessoal e profissional, a sua integração na comunidade, os cuidados de saúde, a igualdade de oportunidades, enfim, o exercício da sua cidadania.
Por outras palavras, muitas Leis significa Justiça?
Não, necessariamente. Em primeiro lugar, porque há "Leis" injustas. Se quisermos exemplificar, em termos genéricos, apontaremos as que foram declaradas materialmente inconstitucionais por violação do princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição). Evocando um caso concreto, vigente, apontaremos as normas do Decreto-Lei nº 103-A/90, de 22 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 259/93, que "reformula o regime de benefícios fiscais aplicável na aquisição de veículos automóveis e cadeiras de rodas por deficientes". Como sabemos, o âmbito de aplicação deste diploma legal exclui os deficientes visuais, situação por muitos reconhecida como injusta, e tida como "profundamente injusta" pela assessoria jurídica do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, em parecer datado de 17 de Outubro de 1994.
Mas a ideia de Justiça, em sentido jurídico, ou mesmo em sentido jurisdicional, tem a ver com o exercício de direitos e interesses legalmente protegidos. E a questão que agora se coloca, é saber se as pessoas portadoras de deficiência exercem em plenitude os direitos que a Lei lhes confere. Trata-se, portanto, de analisar o problema da aplicabilidade da Lei.
A nosso ver, existe uma desproporção entre os "Direitos legalmente garantidos" e os "direitos efectivamente exercidos", com manifesta desvantagem para a última vertente do problema.
São múltiplas as causas que originam esta situação. Entre todas, destacamos a desinformação dos destinatários dos direitos, a falta de eficácia da Administração Pública, a morosidade e consequente falta de credibilidade das instâncias jurisdicionais.
E se em relação à desinformação dos particulares acerca de muitos direitos que lhes assistem, a solução está em difundir mais informação, e no caso particular das pessoas com deficiência visual há que dizer "informação acessível" e, se no que tange à morosidade e inoperância das instâncias jurisdicionais, nos limitamos a recomendar paciência, pois o problema extravasa em muito o âmbito desta reflexão, já relativamente à imperfeita e incompleta aplicabilidade das Leis por parte da Administração Pública, apetece-nos dizer - basta de Leis e apliquemos as que já existem!
Temos constatado o surgimento de muita legislação, tantas vezes designada de progressista, reveladora de inequívocas preocupações sociais. Mas também constatamos que decorrido algum tempo após a sua publicação e entrada em vigor, a realidade que visam alterar mantém-se inalterada, seja por desconhecimento dos particulares, seja por força de interesses antagónicos.
No que concerne às pessoas portadoras de deficiência, um dos diplomas legais que mais serviu de bandeira ao poder político durante a última legislatura, foi o Decreto Lei n.º 123/97 de 22 de Maio (eliminação das barreiras urbanísticas e arquitectónicas). Decorridos mais de dois anos após a sua entrada em vigor, seria interessante verificar quantos edifícios se construíram com respeito pelas normas técnicas ali consagradas. E quem acredita no cumprimento da determinação legal prevista no n.o 1 do Artigo 4º deste diploma, que prevê que "As instalações, edifícios e estabelecimentos, bem como os respectivos espaços circundantes, a que se refere o Artigo 2.º, já construídos e em construção que não garantam a acessibilidade das pessoas com mobilidade condicionada terão de ser adaptados no prazo de sete anos" (...)?
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