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Verdadeiro Olhar - blog de Sérgio Gonçalves

Exposição inclusiva de características únicas revela mundo de indiferença aos olhos de quem não vê

por Sérgio Gonçalves

Exposição inclusiva de características únicas revela mundo de indiferença aos olhos de quem não vê
Alexandra Barata

Retratos de crianças com olhar incómodo e inquisitivo, um protesto contra a indiferença, também "visível" por cegos

O primeiro impacte que se sente quando se olha para as telas de Mirtilo Gomes é de uma tristeza desconcertante. Ao contrário do que imaginamos, a menina de vestido com lacinhos, que povoa muitos dos quadros da pintora de 26 anos, não nos transmite a alegria habitual das crianças, mas um olhar incómodo, inquisitivo, penetrante. Incapaz de deixar qualquer um indiferente. E é isso mesmo que Tânia Bailão Lopes pretende: protestar contra a indiferença com que a sociedade encara a solidão dos outros, a angústia dos outros, a impotência dos outros, numa exposição, em Leiria, que tem a particularidade de chegar a todos. Sem excepção.

"Mirtilo Gomes é um crítico. É um eu entre tantos que me compõem. Desde que me conheço que me incomoda a falta de sensibilidade das pessoas para o outro." E é sobre esse sentimento que Tânia Bailão Lopes, assistente social de Leiria, pinta, apesar de ter consciência de que se os olhos dos personagens dos seus quadros tivessem o brilho próprio do olhar das crianças e os lábios sorrissem, em vez de estarem cerrados, os venderia mais facilmente. "As pessoas que amem ou odeiem, mas que não fiquem indiferentes, porque a indiferença é um dos grandes males do mundo."

Quando Tânia Lopes se dirigiu à Biblioteca José Saramago do Instituto Politécnico de Leiria para mostrar os seus trabalhos estava longe de saber que a esperava um desafio: tornar acessível a todos a exposição das suas telas, que pode ser visitada até sexta-feira. A ideia partiu de Josélia Neves, docente universitária a frequentar um pós-doutoramento na área da comunicação inclusiva no Imperial College of London, em Inglaterra, que teve como responsabilidade "dar vida" aos quadros da pintora através das palavras para que pudessem ser "vistos" por cegos, ao criar um serviço de áudio-guia com três versões, uma das quais com uma linguagem poética, concebida especificamente para invisuais.

"Com o áudio-guia tentei substituir uma obra de arte por outra obra de arte, através de uma linguagem densa e interpretativa, que pretende transmitir aquilo que a Tânia transmite. Apelo a todos os sentidos. Sinto que pintei com as palavras", explica Josélia Neves. A construção do texto, a voz modelada, a trilha musical - criada por Delmar Brown, ex-teclista de Sting - e os efeitos sonoros foram pensados ao pormenor, na tentativa de conseguir que as pessoas cegas fossem invadidas pelos mesmos sentimentos que uma pessoa normovisual. Apesar de estar consciente que foi contra as regras, que ditam que os áudio-guias devem ser neutros, a docente universitária defende que quem não vê tem o direito de sentir de outra maneira.

Lágrimas e sorrisos

Mas o momento que mais marcou os invisuais que visitaram, até agora, a exposição foi a possibilidade de sentir com as próprias mãos uma das telas que Mirtilo Gomes concebeu propositadamente em 3D, em que as formas descritas ganham relevo e a menina dos olhos tristes pode ser acariciada, bem como o seu vestido de cetim roxo. Para intensificar as emoções, foi colocada junto à tela uma ventoinha, para criar uma sensação de vento, um ambientador, que dá um cheiro agradável ao cenário, e espigas de trigo, iguais às que estão pintadas no quadro. As reacções dos cegos repartiram-se entre sorrisos de espanto, pontuados por pausas de reflexão, e lágrimas a rolar pela cara.

Josélia Neves encara esta experiência como um "tubo de ensaio", já que foram utilizadas soluções inovadoras, sobretudo numa exposição temporária. No final do percurso pode deixar as suas impressões sobre as telas de Mirtilo Gomes num livro de honra áudio. A pensar nos surdos, foi também criado um vídeo-guia em língua gestual.

Empenhada em que esta exposição multissensorial Olha por mimultrapasse as fronteiras do país, Josélia Neves vai apresentar este projecto em três conferências internacionais: Caldas da Rainha, Porto e Antuérpia. "Quero testar soluções em museus e em espaços públicos, de maneira a criar um guia de boas práticas para que todos os espaços de cultura sejam acessíveis a todos."

Crianças vivenciam cegueira

Fim

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Comentários

Jorge TeixeiraJá o fiz em outra ocasião, mas quero sublinhar a importante colaboração que você tem dado a eeste site, ao trazer notícias que levaríamos muito tempo a procurar. Parabéns, Sérgio, pelo seu trabalho incansável de nos colocar a par de assuntos da actualidade que nos interessam a todos.

Jorge Teixeira

Olá Jorge.
Muito obrigado pela sua mensagem.
Faço-o sempre que me é possível, e porque gosto de partilhar o que vou lendo com outras pessoas que por não saberem ou não quererem pesquisar estes assunto, que nos devem deixar de certa forma felizes, pois na minha opinião, é sempre de louvar estas iniciativas.
Vou tendo cada vez menos tempo disponível, mas la vou arranjando sempre uns minutinhos para dar a conhecer estas notícias.
Abraços,
Sérgio

Sérgio Gonçalves

Obrigada pelo seu contributo na divulgação desta iniciativa.
Acredito que assim, com o esforço e dedicação de todos, é possível fazer chegar mais longe esta exposição.
Obrigada,
Tânia Lopes